quinta-feira, 13 de setembro de 2012

Natural ou adquirido?


               Existe um debate que sempre surge quando pessoas decidem falar sobre a bi/homossexualidade: é algo natural ou adquirido? Enquanto cada um defende seu ponto de vista, percebemos que a dúvida subliminar é outra: por que existem pessoas bi e homossexuais? Esse questionamento demonstra que ainda não ultrapassamos o debate do por que, e acabamos por nos deter em uma dicotomia que pode mais retroceder do que avançar em termos de direitos civis e humanos.

            Nossa sociedade se organiza em polarizações: certo ou errado, bem ou mal, moral ou imoral, normal ou anormal, etc. Para organizarmos nossos conceitos dentro destas “caixinhas” recorremos ao padrão estabelecido. No caso da sexualidade, existe a concepção de que a heterossexualidade é normal. Dessa forma, outras sexualidades são colocadas como anormais, sendo então necessário se compreender por que elas existem; por que fogem ao padrão.

            Essa questão está presente não só no discurso daqueles que vão contra aos direitos da população LGBT, mas também no discurso dos defensores. Muitas vezes, na luta por direitos, recorremos à explicação naturalista da sexualidade, com frases como “as pessoas nascem gays” ou “não é uma opção”. Analisando esse discurso, podemos imaginar então que caso fosse uma opção, poderia ser combatido. Caso fosse algo adquirido socialmente, a luta por direitos seria invalidada. E este é o argumento dos que se colocam contrários: a homossexualidade é aprendida, pois o único estado sexual natural do sujeito é a heterossexualidade, pois somente através dela a espécie pode se propagar. Enfim, argumento ineficaz e que não merece resposta, mas devemos nos ater à justificativa para a negação de direitos: sendo a homossexualidade adquirida, então a pessoa está escolhendo não ter direitos. A resposta ao argumento da “sexualidade adquirida” deve ser o da “sexualidade inata”? Se a resposta for sim, então seremos contra uma série de direitos que pessoas que interagem socialmente e adquirem certas características possuem. Por exemplo: se defendermos que todo direito deve ser pautado em característica inata, pessoas tatuadas então deveriam ser discriminadas ao tentar uma vaga de emprego, pois não nasceram com tatuagens, adquiriram ao longo do tempo. (Talvez o exemplo pareça muito simplista, mas foi o que me surgiu no momento rs.) Um outro exemplo: pessoas religiosas não nascem assim, adquirem sua religiosidade em sua interação social. Isso é motivo para impedir pessoas religiosas de terem seus direitos assegurados? Afinal, cada religioso acredita ter em sua religião a resposta para a mais “natural” das questões: a criação do mundo. Logo, cada religião acredita que sua crença corresponde à verdadeira natureza humana. Porém existem diversas religiões, e imaginem como seria se cada uma resolvesse impedir que adeptos de religiões diferentes a sua tivessem direitos civis assegurados. Na verdade não precisamos imaginar muito, temos exemplos reais de atitudes desse tipo.

            Outro ponto a ser destacado é o do propósito dos estudos e pesquisas científicas que pretendem afirmar uma das opções para a existência da bi/homossexualidade. O que pretende uma pesquisa que se dedica a achar um componente biológico que justifique essa existência? Existem outras características que podemos ter de forma inata, e que nem por isso são consideradas benéficas. Desejamos saber a origem (médica) daquilo que possuímos, caso seja algo que desejamos nos livrar. Existem pesquisas que se dedicam a investigar vestígios de câncer no DNA das pessoas, podendo então evitar que essas pessoas venham a desenvolver essa patologia. Existem pesquisas que já comprovaram que se você tem histórico de doenças cardiológicas na família, tem mais chances de ter problemas no coração. Geralmente é indicado que essas pessoas já comecem um acompanhamento mais cedo, para que os primeiros indícios sejam detectados e possam ser combatidos. Mas não vemos uma pesquisa para saber por que alguém nasce cabelo liso (talvez façam para descobrir por que alguns nascem com cabelo crespo, pois o padrão é liso), ou por que alguns gostam mais de vermelho, ou mais de azul, quem sabe amarelo.  São coisas que não são pertinentes para que alguém venha a desenvolver uma pesquisa para saber a origem genética. Apenas vivemos com pessoas que tem preferências diferentes em relação a cor, comida, música, roupas, etc. Mas precisamos saber o que tem de diferente na biologia da pessoa que gosta de alguém do mesmo sexo. Talvez para que se crie uma vacina, um tratamento. Se fosse algo irrelevante não seriam feitas pesquisas científicas. Da mesma forma, os cientistas sociais que se preocupam em pesquisar de forma a afirmar que a bi/homossexualidade é adquirida, também tem um propósito. Vemos aí a tal “psicologia cristã” que pretende curar gays. O ponto é que pode até existir pesquisas sobre coisas que aparentemente não tem importância, como ter cabelo liso ou gostar da cor amarela, mas as que ganham maiores financiamento e notoriedade na mídia, chegando a nós através dos “fantásticos” da vida, são as relacionadas a características que queremos extinguir. Precisamos romper com essa falsa neutralidade da ciência. A “psicologia cristã”, por exemplo, não é neutra, pois já parte da concepção de que a homossexualidade é algo que precisa ser curado. Não é a toa que surgiu uma campanha onde pessoas diziam: Marisa Lobo, cure meu “heterossexualismo”. Afinal, se ela propõe que a homossexualidade é passível de “cura”, ou de readequação, deve concordar que a heterossexualidade também. Mas não, a heterossexualidade para ela é o comportamento natural, e a homossexualidade é desvio, logo a segunda deve ser reorientada para a primeira e não o contrário. Qual a base dela para essa afirmação? A bíblia. E psicologia é uma ciência. Onde está a neutralidade?

            O debate precisa ser levado a outro nível. Afinal, em alguma das duas opções, o direito civil deve ser negado? Caso seja escolha, essa pessoa não deve ter seus direitos assegurados? Se for inato, isso é justificativa? Em alguns casos, chega a parecer um pedido de desculpas: “perdoe-me, mas eu nasci assim, nada posso fazer”, como se estivéssemos infelizes por termos uma orientação bi/homossexual, e quiséssemos mudar essa realidade. A verdade é que existe em certa instância uma “escolha”, a partir do momento em que decidimos viver nossa sexualidade como a sentimos. Isso não se dá de forma fácil ou simples. Podemos não ter escolha ao sentirmos atração por homens ou mulheres, mas sem dúvida fazemos uma escolha em viver essa sexualidade ou não, e essa escolha é algo característico de nós, homo/bissexuais. Heterossexuais não passam pela auto-aceitação, não se percebem diferentes. Claro que estes também podem contestar o sistema vigente e as relações de exclusão, mas não precisam decidir se devem ou não viver sua sexualidade, pois ela é completamente aceita. A visibilidade homossexual não é algo muito antigo, e em tempos onde a repressão era muito mais agressiva as pessoas não podiam assumir sua homo/bissexualidade. Deixavam de sentir desejo por pessoas do mesmo sexo? Não, porém não se permitiam ter tais emoções por ser algo durante combatido. Isso falando de Brasil, pois em muitos países do mundo essa ainda é uma prática constante. Quantos sujeitos escondem/esconderam sua homo/bissexualidade atrás de celibatos e casamentos de fachada? Apesar de entender que essa “escolha” é feita mediante uma série de atravessamentos históricos e sociais, temos que mostrar que a partir do momento em que decidimos viver nossa sexualidade, rompendo com culpas e medos internos e externos, fizemos uma escolha onde as opções eram permanecer oprimido ou lutar para se libertar, e escolhemos a segunda opção. Aqueles que sentem desejo/afeto homossexual e não conseguem se permitir, talvez não a façam por não superarem seus anseios, talvez consigam ou não. Mas o fato é que mostrarmos que escolhemos ir contra a maré da opressão é mostrar que não somos gays por uma questão de desejo irreprimível, mas sim por não vermos sentido em esconder nossos desejos e afetos. Não é a toa que existe o “orgulho gay”, que acredito ser a afirmação: sou gay, sinto desejo e afeto por pessoas do mesmo sexo, isso foi uma descoberta e me percebi diferente daquilo que era exigido de mim, porém compreendo que devo viver minha vida plenamente e decidi viver minha homossexualidade. Eu poderia escondê-la, eu poderia enganar pessoas do sexo oposto ao fingir me apaixonar por elas, poderia ser um ser humano frustrado sexual e afetivamente. Mas escolhi ser feliz, e não sinto culpa por me relacionar e amar pessoas do mesmo sexo/gênero.

O que a sociedade de forma geral precisa compreender é que a população LGBT existe, apesar de todo o movimento histórico contra. Existimos e não precisamos saber por que. Apenas nossa existência é fato relevante para termos nossos direitos garantidos, e não aceitarmos toda a agressão moral e física que sofremos.

segunda-feira, 13 de agosto de 2012

Era um homem. E usava batom.

Era um homem. E usava batom. Deixe-me esclarecer de que tipo de “homem” estamos falando. Era desses, como diz o popular, com H maiúsculo. Homem em todos os sentidos: figurativo, cognitivo ou subjetivo*. E usava batom.

Começou com um pequeno brilho, discreto. Passou a tons claros, bem disfarçados. Chegou a cores escuras, brilhantes, berrantes. Hoje, mantinha nos lábios tons elegantes, combinados com a estação e cor da blusa.

Podemos imaginar a reação daqueles que o viam. Homem de batom não se vê todo dia. Corrigindo, talvez se veja, mas não acompanhado de terno e gravata. As vezes um suéter. Cabelo sempre bem penteado, cortado curto, aos moldes de executivo. Era um homem sério, de poucos (e sinceros) sorrisos. Pois bem, causava incomodo. Muitos procuravam não olhar, seguravam a curiosidade com as mãos. Outros já escancaravam sua surpresa. Chegavam até, imaginem só, a acreditar que se tratava de pegadinha, dessas de programas de TV em fim de carreira.

Era um homem sereno, respondia às perguntas com tranquilidade. Estava, quando o encontrei, na casa dos 40 anos (sem aparentar). Contou-me que passou por várias formas de reação perante à surpresa alheia. Foi agressivo, já se desculpou, já chorou. E continuou a usar batom. Fui, com talento (e desculpa) de pesquisador, entrando em sua história. Disse-me que, ao contrário do que a maioria pensa, foi desenvolver essa ideia após os 20, quase 30. Olhou-se no espelho um dia, e resolveu tentar. Deixou claro que era um dia comum. Conforme explicou a alguns anos atrás, para um tal psicólogo com cara de macaxeira e sotaque paulista, não havia sofrido nenhum trauma, nenhuma desilusão amorosa. Mantinha, inclusive, um namoro que já passava do tempo de virar casamento. Problema formado! A moça, conclua, teve a pior das reações. Talvez a única, visto a gravidade da situação. Quis romper o namoro, quis fugir, quis mata-lo, tentou literalmente se matar. A sogra, pobre senhora, recorreu aos santos. O cunhado, rapaz de modos inclinados à feminilidade, mas que não usava batom (ao menos não perante todos), decidiu expor por ele um desejo guardado. Foi uma reviravolta. Acuado, tentou se livrar do novo hábito. Primeiro por conta própria. Fracassou.

Depois de ver, pela primeira vez, sua imagem refletida com os beiços coloridos, era impossível encarar aquela palidez labial. Em momentos de poesia e embriaguez, comparava seus lábios a um lustre, e o batom a uma lâmpada. Comparação brega, conforme podemos perceber, Mas sincera. Logo não podia imaginar ver seu rosto na escuridão de um lustre-boca sem iluminação-batom.

Percorreu, após insistência da namorada, que estava sendo obviamente influenciada pela mãe, igrejas de mais variados cultos. Ele, homem de pouca fé. Acreditava em Deus, mas nunca se preocupava muito com isso, foi bombardeado com ameaças de sofrimento pós-vida, castigos divinos. Queimaria no inferno! “Que era vermelho, bonita cor”, disse ele. Não obteve resultado satisfatório.

Dali até mesmo outras religiões foram consultadas. Descobriu ter encosto de pomba gira. Descobriu ser filho da deusa egípcia Ísis, e que seu signo japonês era o coelho. Viu sua mão virar livro, e ser lida avidamente. Estamos falando de desespero, caro leitor. E a fé é amiga de infância dos desesperados. E dos carentes, mas essa é uma outra história.

Nada resolvendo o problema, passaram à ciência. Foram consultados psicólogos, psiquiatras, analistas, neurologistas, massagistas e prostitutas (que são mestres na ciência da alma masculina). Estas últimas foram as que ajudaram na compreensão. Após meia horinha (bem cobrada) com o paciente, Brena, mulher de corpo escultural e rosto contrário, disse à família: “Com batom ou sem batom, esse é homem em todo o conteúdo.” E virando-se à namorada, disparou: “preocupe-se mais com o pau e menos com a boca.”

Casou, teve filhos. É feliz. E usa batom.

Por Daniel Vieira

*Escrevi esta crônica tem uns 2 anos, e agora me lembrei e resolvi publicar. Com certeza existem erros ortográficos, mas também erros na interpretação da questão de gênero. Porém, pelo que me lembro, quis retratar como seria a reação do senso comum ao fato.

sexta-feira, 4 de maio de 2012

Roda de diálogo sobre gênero e sexualidade

Compartilho da opinião que a educação escolar tem um papel fundamental na luta contra a discriminação, na medida que traz para debate assuntos considerados tabus. É papel da Escola promover o reconhecimento de parcelas ditas minoritárias, e reconhecer em si a pluralidade. O reconhecimento da luta se dá através da alteridade.

O vídeo abaixo é fruto de um trabalho desenvolvido pela turma de ensino médio modalidade EJA (Educação de Jovens e Adultos) na Escola Politécnica Joaquim Venâncio (ESPJV-FIOCRUZ). Após diversos debates sobre temas que envolviam gênero e sexualidade, os alunos tiveram a oportunidade de conversar com Bárbara Aires, transmulher ativista.Confiram:


Confira também o blog da escola: http://sejamanguinhos.blogspot.com.br/

terça-feira, 1 de maio de 2012

Com 10 votos a 0, STF aprova cotas raciais em universidades


O STF retomou o julgamento das cotas raciais na UnB nesta quinta-feira. Foto:  Foto: Nelson Jr./SCO/STF/Divulgação
Foto: Foto: Nelson Jr./SCO/STF/Divulgação

Por unanimidade, os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) consideraram constitucional o sistema de cotas raciais para ingresso de alunos afrodescendentes em universidades públicas. A votação, que terminou com 10 votos favoráveis e nenhum contrário, foi encerrada por volta das 20h10 desta quinta-feira com pronunciamento do presidente da Corte, Ayres Britto. "O Brasil tem mais um motivo para se olhar no espelho da história e não corar de vergonha", disse o ministro ao proclamar o resultado.
GUSTAVO GANTOIS

O julgamento teve início na quarta-feira quando Ricardo Lewandowski, relator da ação do DEM contra o sistema de reserva de vagas da Universidade de Brasília (UnB), rejeitou o pedido do partido político e reconheceu a constitucionalidade do ingresso. O sistema da UnB prevê a destinação de 20% das vagas do vestibular a candidatos autodeclarados negros ou pardos. A universidade defendia que isso soluciona uma desigualdade histórica. O DEM, por sua vez, afirmava que o sistema fere o princípio da igualdade e ofende dispositivos que estabelecem o direito universal à educação.
Por volta das 19h, o ministro Celso de Mello deu início a sua fala, favorável ao modelo adotado desde 2004 pela Universidade de Brasília (UnB). Antes dele, Marco Aurélio considerou constitucional as cotas. Gilmar Mendes deu o sétimo voto favorável, mas disse que é necessária a revisão do modelo de cotas com uma ressalva ao voto do relator Ricardo Lewandowski.
O ministro Luiz Fux foi o primeiro a se pronunciar nesta quinta-feira. Elogiando o voto do relator feito ontem, Fux definiu que ações afirmativas ainda são necessárias em um País com desigualdades sociais tão grandes como o Brasil. "A opressão racial dos anos da sociedade escravocrata brasileira deixou cicatrizes que se refletem no campo da escolaridade. A injustiça do sistema é absolutamente intolerável", disse.
Confusão
Quase ao final de seu voto, o ministro Fux foi interrompido por um índio que protestava dentro do plenário pela inclusão da etnia nas discussões sobre o sistema de cotas. Identificado como Araju Sepeti, o índio guarani de Mato Grosso chamou os ministro de racistas e urubus e foi retirado pelos seguranças da Corte.
Após a retomada da sessão, Fux disse que "a ansiedade é o mal da humanidade" e então citou o direito dos indígenas, conforme tinha pedido o índio retirado do plenário.
A ministra Rosa Weber, por sua vez, afirmou que não se pode dizer que os brancos em piores condições financeiras têm as mesmas dificuldades dos negros, porque nas esferas mais almejadas das sociedades a proporção de brancos é maior que de negros.
"A representatividade, na pirâmide social, não está equilibrada. Se os negros não chegam à universidade, por óbvio não compartilham com igualdade de condições das mesmas chances dos brancos. Se a quantidade de brancos e negros fosse equilibrada, seria plausível dizer que o fator cor é desimportante. A mim não parece razoável reduzir a desigualdade social brasileira ao critério econômico", disse a ministra.
Já na opinião da ministra Cármen Lúcia, que votou em seguida também a favor das cotas raciais, as ações afirmativas não são as melhores opções. "A melhor opção é ter uma sociedade na qual todo mundo seja livre para ser o que quiser. Isso é uma etapa, um processo, uma necessidade em uma sociedade onde isso não aconteceu naturalmente", disse Cármen Lúcia.
Discriminação enraizada
Após um intervalo de quase 40 minutos, Joaquim Barbosa, o único ministro negro da Corte Suprema, fez um voto que não chegou a 10 minutos. Barbosa acusou que a discriminação está tão enraizada na sociedade brasileira que as pessoas nem percebem.
"Aos esforços de uns em prol da concretização da igualdade que contraponham os interesses de outros na manutenção do status quo, é natural que as ações afirmativas sofram o influxo dessas forças contrapostas e atraiam resistência da parte daqueles que historicamente se beneficiam da discriminação de que são vítimas os grupos minoritários. Ações afirmativas têm como objetivo neutralizar os efeitos perversos da discriminação racial", disse Barbosa em seu voto.
O voto decisivo foi dado pelo ex-presidente da Corte, ministro Cezar Peluso. Interrompido por apartes dos ministros Gilmar Mendes e Joaquim Barbosa, Peluso resumiu a questão ao afirmar que as cotas são necessárias à sociedade brasileira no atual momento, mas que devem ser analisada no futuro para verificar se ainda atingem o objetivo de inserir afrodescendentes em posições de mais destaque.
"Não posso deixar de concordar com o relator que a ideia é adequada, necessária, tem peso suficiente para justificar as restrições que traz a certos direitos de outras etnias. Mas é um experimento que o Estado brasileiro está fazendo e que pode ser controlado e aperfeiçoado", votou o ministro.
Tribunal racial
O ministro Gilmar Mendes criticou o fato de as políticas de cotas da UnB adotarem exclusivamente o critério racial. Ele afirmou que a política pode ser aperfeiçoada e citou o exemplo do Prouni, programa de bolsas de estudo do governo federal, que, além da raça, leva em conta critérios sociais.
"A ideia de tribunal racial evoca a memória de coisas estranhas. Não é um modelo. Seria mais razoável adotar-se um critério objetivo de referência de índole sócio-econômica. Todos podemos imaginar as distorções eventualmente involuntárias e eventuais de caráter voluntário a partir desse tribunal que opera com quase nenhuma transparência. Se conferiu a um grupo de iluminados esse poder que ninguém quer ter de dizer quem é branco e quem é negro em uma sociedade altamente miscigenada", disse o ministro, lembrando do caso envolvendo dois gêmeos univitelinos, em que um entrou na UnB pelo sistema de cotas e o outro foi rejeitado.
Oitavo ministro a votar, Marco Aurélio Mello seguiu o mesmo raciocínio externado pelos ministros Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Cármen Lúcia. Para ele, o sistema de cotas é essencial, desde que as políticas sejam temporárias. E é válida, principalmente, pelo que classificou como "neutralidade do Estado" em favor dos afrodescendentes.
"A neutralidade estatal mostrou-se nesses anos um grande fracasso. É necessário fomentar-se acesso à educação. Urge implementar programas voltados aos menos favorecidos", disse Marco Aurélio. O ministro Celso de Mello, decano da Corte, citou, em seu voto, convenções internacionais que estabelecem formas de se combater o preconceito e garantir condições de igualdade.
"As ações afirmativas são instrumentos compensatórios para concretizar o direito da pessoa de ter sua igualdade protegida contra práticas de discriminação étnico-racial. Uma sociedade que tolera práticas discriminatórias não pode qualificar-se como democrática", afirmou em seu voto.
O presidente do STF, ministro Ayres Britto, foi o último a votar. Também favorável ao sistema de cotas, Britto afirmou que os erros de uma geração podem ser revistos pela geração seguinte e é isto que está sendo feito.
"Aquele que sofre preconceito racial internaliza a ideia, inconscientemente, de que a sociedade o vê como desigual por baixo. E o preconceito, quando se generaliza e persiste no tempo, como é o caso do Brasil, por diversos séculos, vai fazer parte das relações sociais de bases que definem o caráter de uma sociedade", disse Ayres Britto.

domingo, 15 de abril de 2012

Preconceito velado

              "Não tenho nada contra gays, até tenho amigos que são."

             "Jamais tive preconceito com negros, mas prefiro que minha filha case com um branco. Sabe como é, não quero escurecer a família."

            "Acho que as mulheres são tão importantes como os homens, afinal elas que alimentam o mundo, que cuidam de nossos filhos. Esse é o papel delas."

        "Sou totalmente contra a violência, mas se um gay me cantar está sendo desrespeitoso comigo. Aí eu posso acabar agredindo ele."

    "Ele é escuro sim, tremendo de um negão, mas não lhe falta educação e respeito." (Trecho de uma música da Kelly Key)

   "Não tem mais isso de a mulher ser inferior ao homem, mas também não pode reclamar porque tem muita coisa pra fazer. Não lutaram tanto pra ter direito a trabalhar? Não pode esquecer da família."

    "Meu filho não será gay. Ele terá uma boa educação."

    "Ela é negra, mas é muito bonita."

Apenas alguns exemplos de falas corriqueiras e que muitas vezes nos passam despercebidas. O que nos resta pensar é: o que é o preconceito? Seria algo natural?

Para qualquer tipo de comparação é preciso ter um ideal. Se o arroz bom é aquele que fica soltinho, então aquele que está saindo em blocos da panela para seu prato é ruim. Pode estar gostoso, mas não é o ideal. Aplicando essa analogia tosca (rs) às relações humanas, podemos perceber que existem padrões a serem seguidos, e para definirmos o que é bonito, certo, correto e aceitável, nós comparamos com esse padrão estabelecido.

Já ouvi algumas vezes que o preconceito é algo natural, e me coloco contra essa opinião. O preconceito surge da naturalização desses padrões ditos no parágrafo anterior. Porém, mesmo não sendo algo natural, é algo que está presente nas nossas relações sociais, por diversos motivos. Esses motivos também podem ser analisados, para um melhor entendimento, mas nesse momento vou me aproximar da negação desse preconceito.


Os padrões sociais são instaurados através de diversas instituições, como escola, família, religião, mídias, etc. Isso atravessa nosso entendimento em relação a qualquer tópico, seja gênero (o que é ser homem e mulher ou mesmo ter que se encaixar em um desses padrões), sexualidade (com quem e como devemos nos relacionar), moral (certo e errado), e várias outros. Por sua vez, cada uma dessas se relaciona entre si. Em nossa sociedade podemos verificar vários exemplos dessa naturalização dos padrões, como monogamia e heteronormatividade. Essa naturalização instaura os conceitos de normal e anormal. Através desses conceitos, orientamos nossas atitudes para nos adaptar e estarmos dentro dessa normalidade. Tudo o que é anormal é marginalizado.

Mas existe um processo contínuo de mudança entre o que é instituído e as novas formas instituintes. Isso significa que esses modelos sofrem alterações, não é algo estagnado. Porém, nesse processo nem tudo que era instituído deixa de existir. Simplificando com um exemplo: há algum tempo a população negra era escravizada, e a ordem social considerava-os inferiores, incapazes, não-humanos. Bem, essa concepção hoje mudou, pero no mucho. Veja a frase: ele é negro, mas é uma boa pessoa. O mas que une as duas orações indica que uma é o contraponto da outra. A primeira diz que uma pessoa é negra, e a segunda diz que esse sujeito é uma boa pessoa, ou seja, tem bom caráter. O mas entre as duas indica que mesmo sendo negro ele é uma boa pessoa. Podemos supor então que negro é sinônimo de mau-caráter. Esse negro em questão foge a regra. Como outra expressão infeliz diria: é um negro de alma branca. O natural seria que ele fosse uma má pessoa. O mas indica que ele está indo contra ao normal dos negros.

            Esse exemplo traz a tona o que hoje há de mais delicado em nossa cultura: a questão racial. Nós, brasileiros, continuamos negando o preconceito que temos devido a uma dívida histórica e cultural com a população negra, ao invés de admitirmos que nossa cultura ainda é impregnada de elementos racistas. Essa dívida se coloca não apenas pela escravidão, que é um fato marcante em nossa história, pois a todo o momento o racismo é criado e recriado. Não existe mais a vinculação à escravização, mas os desdobramentos de uma falta de política social na inclusão da população negra e da desvalorização da cultura afro ainda perpetuam o racismo como forma de entender nossa sociedade. Não somos racistas por natureza, somos construídos dessa forma. Enquanto negarmos esse fato, perpetuaremos o racismo sob diversas formas.

            Recentemente um ator global declarou que prefere ser chamado de pegador do que viado. Muitas pessoas reclamaram dessa declaração, e o mesmo informou que não era preconceituoso, inclusive muitos amigos e pessoas de sua equipe eram homossexuais. Ou seja, ele não tem preconceito, ATÉ aceita que gays estejam próximos a ele. Já dizia Falcão: ele é viado mas é meu amigo.

            Além das já citadas, diversas falas demonstram como nós aceitamos esses padrões e ajudamos a marginalizar parcelas sociais que não de adéquam. Ser gay é ser promíscuo e/ou cômico, ser negro é ser bandido, ser mulher é ser frágil, ser travesti é ser prostituta, ser gorda é ser feia.

            A padronização pretende uniformizar pessoas, e esse fenômeno ocorre até mesmo em movimentos sociais. Pretende-se vender a imagem do gay hetero, limpinho. Ou seja, é a famosa frase: nós gays somos iguais aos héteros. A questão é: os héteros são iguais aos héteros? Com essa história de igualdade estão querendo padronizar nosso comportamento. Seja gay, mas seja igual ao hétero. Seja negro, mas seja igual ao branco. Temos direito a uma igualdade perante a lei, mas jamais poderemos aceitar sermos iguais como uma massa uniforme. Porque jamais seremos.

Por Daniel Vieira

domingo, 25 de março de 2012

Tomates e a grande diferença entre opinião e discriminação

           Eu não gosto de tomate. Desculpas a todos aqueles que apreciam esse fruto, mas eu não gosto. O sabor não me agrada, a consistência me deixa enjoado. Convivo bem com pessoas que gostam de tomate, entendendo que pessoas são diferentes e tem gostos diversos.
             Bem, eu tenho a opinião de que tomates não são alimentos gostosos. É algo que serve para mim, para meu paladar.
              Agora você imagine que, num determinado momento, eu passe a acreditar que não é bom para ninguém comer tomates. Posso inclusive fazer uma pesquisa para achar alguma substância no tomate que faz mal para algo em nosso corpo e usar isso como argumento. Mesmo que essa tal substância tenha que ser ingerida em doses cavalares por dia para causar algum mal em longo prazo, que esse efeito não seja o mesmo devido ao metabolismo de cada um e mesmo assim sem base concreta para essa afirmação. O fato, para mim, é: tomates não são bons.

            E não somente passo a achar isso, mas passo a pregar minha opinião, inclusive recriminando e discriminando pessoas que insistem em comer tomates. Se mesmo após todas as evidências (ainda que duvidosas) que eu apresentei, a pessoa permanece comendo tomates, ela vai merecer o câncer no pâncreas (esqueci de dizer que esse é o efeito da ingestão de tomates apontado na minha pesquisa). Eu passo a desejar que eles tenham câncer para, quem sabe, bater arrependimento e deixarem de comer tomates. Essas pessoas passam a ser uma má influência! Elas estarão estimulando pessoas a comerem tomates. Elas devem ser, então, exterminadas.
            Eu então proíbo que se tenha qualquer material que fale sobre tomates nas escolas. Proíbo pessoas que comem tomates de se casarem, pois essa união gerará uma nova geração de pessoas que comem tomates, mesmo que nada prove que essa influencia pode acontecer, seja genética ou psicológica. Acredito que se deva baixar o porrete nessa gente, pois é óbvio que elas só comem tomate para ir contra ao que é certo! Não me importo que elas sejam expulsas de casa, da escola, que não consigam colocação no trabalho, ou mesmo que sejam mortas em ataques motivados por discriminação. Elas pediram isso. Quando elas lutam pelos seus direitos eu as ataco, e acredito que estou sendo vítima de preconceito por apenas querer expor minha opinião! Desenvolvo curas para que deixem de comer tomates, para que sejam normais como eu. E quero fazer isso livremente, pois estamos em um país livre onde todos tem liberdade de expressão. Não me importa que meu discurso possa vir a trazer ainda mais mortes, sofrimento, discriminação. O direito a opinião é sagrado.

            Acordando dessa viagem, alguém notou alguma similaridade com algo que vivemos? Então, para esclarecer: opinião foi até o ponto onde eu disse que tomates não servem para o meu paladar. Depois disso, passou a ser discriminação. E é dever do Estado, segundo a constituição, garantir a igualdade aos cidadãos e o combate a qualquer forma de discriminação.

Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

Por Daniel Vieira

Câmara aprova projeto que proíbe material didático sobre diversidade sexual

A Câmara de Vereadores do Rio de Janeiro  aprovou um projeto de lei que proíbe a distribuição, exposição e divulgação de material didático sobre diversidade sexual no Rio de Janeiro. Elaborado pelo vereador Carlos Bolsonaro (PP-RJ), o PL 1082/2011 proíbe até orientações sobre o combate à homofobia e direitos dos homossexuais. 
"A distribuição  e divulgação de material didático com conteúdo sobre a diversidade sexual, pode ser considerado uma afronta aos conceitos da família tradicional, cabendo, somente à família determinar o momento certo de expor tal assunto aos seus filhos", justifica Bolsonaro, no texto do projeto. O vereador também propôs o "Dia do Orgulho Hétero" no Rio. 
Do contra
Os vereadores Brizola Neto (PDT), Reaimont (PT), Andrea Gouvêa Vieira (PSDB), Eliomar Coelho (PSOL) e Paulo Pinheiro (PSOL) bem que tentaram dissuadir os outros parlamentares, mas não deu. No fim, o projeto de Carlos Bolsonaro foi aprovado por 21 votos contra 9.