Existe um
debate que sempre surge quando pessoas decidem falar sobre a
bi/homossexualidade: é algo natural ou adquirido? Enquanto cada um defende seu
ponto de vista, percebemos que a dúvida subliminar é outra: por que existem
pessoas bi e homossexuais? Esse questionamento demonstra que ainda não
ultrapassamos o debate do por que, e acabamos por nos deter em uma dicotomia
que pode mais retroceder do que avançar em termos de direitos civis e humanos.
Nossa
sociedade se organiza em polarizações: certo ou errado, bem ou mal, moral ou
imoral, normal ou anormal, etc. Para organizarmos nossos conceitos dentro
destas “caixinhas” recorremos ao padrão estabelecido. No caso da sexualidade,
existe a concepção de que a heterossexualidade é normal. Dessa forma, outras
sexualidades são colocadas como anormais, sendo então necessário se compreender
por que elas existem; por que fogem ao padrão.
Essa questão
está presente não só no discurso daqueles que vão contra aos direitos da
população LGBT, mas também no discurso dos defensores. Muitas vezes, na luta
por direitos, recorremos à explicação naturalista da sexualidade, com frases
como “as pessoas nascem gays” ou “não é uma opção”. Analisando esse discurso,
podemos imaginar então que caso fosse uma opção, poderia ser combatido. Caso
fosse algo adquirido socialmente, a luta por direitos seria invalidada. E este
é o argumento dos que se colocam contrários: a homossexualidade é aprendida,
pois o único estado sexual natural do sujeito é a heterossexualidade, pois
somente através dela a espécie pode se propagar. Enfim, argumento ineficaz e
que não merece resposta, mas devemos nos ater à justificativa para a negação de
direitos: sendo a homossexualidade adquirida, então a pessoa está escolhendo
não ter direitos. A resposta ao argumento da “sexualidade adquirida” deve ser o
da “sexualidade inata”? Se a resposta for sim, então seremos contra uma série
de direitos que pessoas que interagem socialmente e adquirem certas
características possuem. Por exemplo: se defendermos que todo direito deve ser
pautado em característica inata, pessoas tatuadas então deveriam ser
discriminadas ao tentar uma vaga de emprego, pois não nasceram com tatuagens,
adquiriram ao longo do tempo. (Talvez o exemplo pareça muito simplista, mas foi
o que me surgiu no momento rs.) Um outro exemplo: pessoas religiosas não nascem
assim, adquirem sua religiosidade em sua interação social. Isso é motivo para
impedir pessoas religiosas de terem seus direitos assegurados? Afinal, cada
religioso acredita ter em sua religião a resposta para a mais “natural” das
questões: a criação do mundo. Logo, cada religião acredita que sua crença
corresponde à verdadeira natureza humana. Porém existem diversas religiões, e
imaginem como seria se cada uma resolvesse impedir que adeptos de religiões
diferentes a sua tivessem direitos civis assegurados. Na verdade não precisamos
imaginar muito, temos exemplos reais de atitudes desse tipo.
Outro ponto
a ser destacado é o do propósito dos estudos e pesquisas científicas que
pretendem afirmar uma das opções para a existência da bi/homossexualidade. O
que pretende uma pesquisa que se dedica a achar um componente biológico que
justifique essa existência? Existem outras características que podemos ter de
forma inata, e que nem por isso são consideradas benéficas. Desejamos saber a
origem (médica) daquilo que possuímos, caso seja algo que desejamos nos livrar.
Existem pesquisas que se dedicam a investigar vestígios de câncer no DNA das
pessoas, podendo então evitar que essas pessoas venham a desenvolver essa
patologia. Existem pesquisas que já comprovaram que se você tem histórico de
doenças cardiológicas na família, tem mais chances de ter problemas no coração.
Geralmente é indicado que essas pessoas já comecem um acompanhamento mais cedo,
para que os primeiros indícios sejam detectados e possam ser combatidos. Mas não
vemos uma pesquisa para saber por que alguém nasce cabelo liso (talvez façam para
descobrir por que alguns nascem com cabelo crespo, pois o padrão é liso), ou
por que alguns gostam mais de vermelho, ou mais de azul, quem sabe
amarelo. São coisas que não são
pertinentes para que alguém venha a desenvolver uma pesquisa para saber a origem
genética. Apenas vivemos com pessoas que tem preferências diferentes em relação
a cor, comida, música, roupas, etc. Mas precisamos saber o que tem de diferente
na biologia da pessoa que gosta de alguém do mesmo sexo. Talvez para que se
crie uma vacina, um tratamento. Se fosse algo irrelevante não seriam feitas
pesquisas científicas. Da mesma forma, os cientistas sociais que se preocupam
em pesquisar de forma a afirmar que a bi/homossexualidade é adquirida, também
tem um propósito. Vemos aí a tal “psicologia cristã” que pretende curar gays. O
ponto é que pode até existir pesquisas sobre coisas que aparentemente não tem
importância, como ter cabelo liso ou gostar da cor amarela, mas as que ganham maiores
financiamento e notoriedade na mídia, chegando a nós através dos “fantásticos”
da vida, são as relacionadas a características que queremos extinguir. Precisamos
romper com essa falsa neutralidade da ciência. A “psicologia cristã”, por
exemplo, não é neutra, pois já parte da concepção de que a homossexualidade é
algo que precisa ser curado. Não é a toa que surgiu uma campanha onde pessoas
diziam: Marisa Lobo, cure meu “heterossexualismo”. Afinal, se ela propõe que a
homossexualidade é passível de “cura”, ou de readequação, deve concordar que a
heterossexualidade também. Mas não, a heterossexualidade para ela é o
comportamento natural, e a homossexualidade é desvio, logo a segunda deve ser
reorientada para a primeira e não o contrário. Qual a base dela para essa
afirmação? A bíblia. E psicologia é uma ciência. Onde está a neutralidade?
O debate
precisa ser levado a outro nível. Afinal, em alguma das duas opções, o direito
civil deve ser negado? Caso seja escolha, essa pessoa não deve ter seus
direitos assegurados? Se for inato, isso é justificativa? Em alguns casos,
chega a parecer um pedido de desculpas: “perdoe-me, mas eu nasci assim, nada
posso fazer”, como se estivéssemos infelizes por termos uma orientação
bi/homossexual, e quiséssemos mudar essa realidade. A verdade é que existe em
certa instância uma “escolha”, a partir do momento em que decidimos viver nossa
sexualidade como a sentimos. Isso não se dá de forma fácil ou simples. Podemos
não ter escolha ao sentirmos atração por homens ou mulheres, mas sem dúvida
fazemos uma escolha em viver essa sexualidade ou não, e essa escolha é algo
característico de nós, homo/bissexuais. Heterossexuais não passam pela
auto-aceitação, não se percebem diferentes. Claro que estes também podem
contestar o sistema vigente e as relações de exclusão, mas não precisam decidir
se devem ou não viver sua sexualidade, pois ela é completamente aceita. A
visibilidade homossexual não é algo muito antigo, e em tempos onde a repressão
era muito mais agressiva as pessoas não podiam assumir sua homo/bissexualidade.
Deixavam de sentir desejo por pessoas do mesmo sexo? Não, porém não se
permitiam ter tais emoções por ser algo durante combatido. Isso falando de
Brasil, pois em muitos países do mundo essa ainda é uma prática constante.
Quantos sujeitos escondem/esconderam sua homo/bissexualidade atrás de celibatos
e casamentos de fachada? Apesar de entender que essa “escolha” é feita mediante
uma série de atravessamentos históricos e sociais, temos que mostrar que a
partir do momento em que decidimos viver nossa sexualidade, rompendo com culpas
e medos internos e externos, fizemos uma escolha onde as opções eram permanecer
oprimido ou lutar para se libertar, e escolhemos a segunda opção. Aqueles que sentem desejo/afeto homossexual e não conseguem se permitir, talvez não a façam por não superarem seus
anseios, talvez consigam ou não. Mas o fato é que mostrarmos que escolhemos ir
contra a maré da opressão é mostrar que não somos gays por uma questão
de desejo irreprimível, mas sim por não vermos sentido em esconder nossos
desejos e afetos. Não é a toa que existe o “orgulho gay”, que acredito ser a
afirmação: sou gay, sinto desejo e afeto por pessoas do mesmo sexo, isso foi
uma descoberta e me percebi diferente daquilo que era exigido de mim, porém compreendo
que devo viver minha vida plenamente e decidi viver minha homossexualidade. Eu poderia
escondê-la, eu poderia enganar pessoas do sexo oposto ao fingir me apaixonar
por elas, poderia ser um ser humano frustrado sexual e afetivamente. Mas
escolhi ser feliz, e não sinto culpa por me relacionar e amar pessoas do mesmo sexo/gênero.
O que a sociedade de forma geral precisa
compreender é que a população LGBT existe, apesar de todo o movimento histórico
contra. Existimos e não precisamos saber por que. Apenas nossa existência é
fato relevante para termos nossos direitos garantidos, e não aceitarmos toda a
agressão moral e física que sofremos.