sexta-feira, 26 de abril de 2013

Gênero: uma construção social


Utilizo (quando tenho tempo rs) esse espaço virtual geralmente para auxiliar no processo pessoal de reflexão sobre determinados temas. Ao escrever, organizo ideias, e ao ouvir opiniões sobre o que escrevi, tenho a oportunidade de relacionar minha visão com outras. Sabendo que não existem verdades absolutas, esse confronto de olhares tende a ser bem interessante.
O texto que vou colocar hoje é fruto de uma reflexão que surgiu em minha mente através dos debates no programa Vulva Fúcsia, do qual faço parte. Ainda mais profundamente, as ideias apresentadas no texto começaram a ser formuladas no trabalho intitulado “Vulva Fúcsia: pedagogizando relações de gênero e sexualidade através de recursos midiáticos”, apresentado no X ENUDS. E futuramente as ideias que surgiram aqui vão contribuir na minha monografia, que já deveria estar em andamento.

Adaptação cotidiana

             Existem determinadas características que nós, sujeitos, possuímos e que raramente passam por uma consciência crítica. São aspectos encrustados nos atravessamentos sociais, e que fazem parte do processo conhecido como “subjetividade”, onde aquilo que somos/acreditamos ser é construído. Assim, raramente nos perguntamos por que sentimos isso ou aquilo, ou mesmo acreditamos serem fatores naturais, até mesmo biológicos os responsáveis por algumas de nossas formas de ser.
             O gênero está preso a essa concepção. Raramente questionamos as formas com que a sociedade se organiza em relação ao binarismo masculino/feminino. Nos parece algo muito normal que uma mulher aja de determinada maneira, o homem sinta determinados sentimentos. Inclusive questionar essa organização parece algo como ir contra a natureza. O fato é que na construção de gênero existe muito pouco ou nada de natural. Todas as leis que determinam as formas com que um sujeito se comporta estão amarradas a construções sociais. Não existe nada em nossa biologia que determine que uma mulher tenda a gostar mais de rosa, ou um homem de azul. Nossos comportamentos são definidos de acordo com o que a sociedade construiu ao longo do tempo, e todo esse aprendizado é dado desde muito cedo. Talvez daí venha essa falsa compreensão natural do gênero. Afinal, não tenho consciência de em que momento foi nos ensinado que mulher deve cruzar as pernas e homem deve cortar o cabelo curto. São ensinamentos passados através de experiência, raramente por lições.
              Usei no parágrafo anterior a palavra lei, pra determinar as imposições comportamentais. Pensando bem, é uma boa expressão para esse caso, se formos pensar que em nossa sociedade judiciária, lei é aquilo
que, quando desrespeitada, tem como consequência uma punição. Podemos não ter consciência de quando ou como fomos moldados dentro do gênero esperado devido à nossa composição biológica, porém temos certa clareza de que são regras, e que devem ser seguidas, principalmente porque somos confrontados com modelos marginais desse sistema. Se um menino age de forma mais feminina, logo é repreendido, não apenas pelos adultos, mas também pelos próprios colegas. Existem aí várias formas de aprendizado, mas a meu ver a principal delas é o aprendizado desse menino sobre a forma correta e incorreta de se comportar. Algo que irá ter significativa representação dentro do olhar dele sobre a sociedade.
                Essa introdução pretende chegar a um ponto principal. Algo que chamo, como forma de organizar a ideia em uma expressão, de congruência total de gênero. Vou recorrer agora a um trecho do trabalho do qual falei no início da postagem:
Espera-se que uma pessoa que nasceu com um pênis tenha identidade de gênero masculina e orientação sexual voltada para o sexo oposto apenas (heterossexual). Da mesma forma, espera-se que a pessoa nascida com uma vulva se entenda em uma identidade de gênero feminina e sinta atração por homens. O que vemos hoje é que estas “caixinhas” não são suficientes para abranger toda a pluralidade social. Ainda assim, aqueles que fogem a um desses quesitos são marginalizados. Logo, se você nasceu com um pênis e se identifica com o gênero masculino, você só será aceito caso tenha orientação sexual voltada para pessoas com vulva e que se identifiquem com o gênero feminino. Caso sua orientação sexual seja voltada para sujeitos que possuem o mesmo órgão genital que você, a discriminação estará presente. Outro exemplo: você tendo nascido com uma vulva, ainda que tenha desejo sexual por pessoas portadoras de pênis, caso sua identidade de gênero seja masculina você também sofrerá segregação social. Assim, chamamos a essa necessidade imposta em três níveis (órgão sexual, identidade de gênero e orientação sexual) de congruência total de gênero. Ainda que a orientação sexual e o órgão genital não exerçam ação natural sobre sua identidade de gênero, a premissa social estabelece que todos devem estar em congruência de acordo com o padrão estabelecido.”

          É preciso cuidado ao analisar as diversas nomenclaturas que povoam determinado tema. Por exemplo: falamos em orientação sexual e identidade de gênero, e reforçamos a necessidade de se compreender as singularidades de cada expressão. Essa divisão inicial torna-se importante para que se possa dar conta de uma pluralidade ainda maior. Caso não houvesse a marcação de diferença, cairíamos nas formas tradicionais de compreensão sexual, onde uma pessoa com identidade de gênero feminina necessariamente tende a sentir atração por pessoas com identidade de gênero masculinas. Sabemos que isso não corresponde à realidade. Porém, ao mesmo tempo em que é necessária a demarcação das diferenças entre as expressões, também é de suma importância compreender que estas se flexionam. Uma exerce influência sobre a outra, e as duas se relacionam.
               O principal dentro da expressão que trago “congruência total de gênero”, é compreender que existem diversas premissas sociais que pretendem resumir a uma única visão aspectos diferentes dentro de cada sujeito. Não somos apenas um órgão sexual, e menos ainda é este que decide nossos comportamentos e desejos. Ao nos compreendermos como sujeitos múltiplos, dotados de diversas esferas de expressão, passamos a nos compreender melhor como um todo. Todos os nossos aspectos se relacionam, mas não necessariamente dentro do esperado pelo modelo social ocidental/cristão que vivemos. O que o meio social pretende é resumir nossa singularidade ao reduzi-la em formas de expressão já prontas, onde apenas nos adequamos para que tudo permaneça como é.