domingo, 15 de abril de 2012

Preconceito velado

              "Não tenho nada contra gays, até tenho amigos que são."

             "Jamais tive preconceito com negros, mas prefiro que minha filha case com um branco. Sabe como é, não quero escurecer a família."

            "Acho que as mulheres são tão importantes como os homens, afinal elas que alimentam o mundo, que cuidam de nossos filhos. Esse é o papel delas."

        "Sou totalmente contra a violência, mas se um gay me cantar está sendo desrespeitoso comigo. Aí eu posso acabar agredindo ele."

    "Ele é escuro sim, tremendo de um negão, mas não lhe falta educação e respeito." (Trecho de uma música da Kelly Key)

   "Não tem mais isso de a mulher ser inferior ao homem, mas também não pode reclamar porque tem muita coisa pra fazer. Não lutaram tanto pra ter direito a trabalhar? Não pode esquecer da família."

    "Meu filho não será gay. Ele terá uma boa educação."

    "Ela é negra, mas é muito bonita."

Apenas alguns exemplos de falas corriqueiras e que muitas vezes nos passam despercebidas. O que nos resta pensar é: o que é o preconceito? Seria algo natural?

Para qualquer tipo de comparação é preciso ter um ideal. Se o arroz bom é aquele que fica soltinho, então aquele que está saindo em blocos da panela para seu prato é ruim. Pode estar gostoso, mas não é o ideal. Aplicando essa analogia tosca (rs) às relações humanas, podemos perceber que existem padrões a serem seguidos, e para definirmos o que é bonito, certo, correto e aceitável, nós comparamos com esse padrão estabelecido.

Já ouvi algumas vezes que o preconceito é algo natural, e me coloco contra essa opinião. O preconceito surge da naturalização desses padrões ditos no parágrafo anterior. Porém, mesmo não sendo algo natural, é algo que está presente nas nossas relações sociais, por diversos motivos. Esses motivos também podem ser analisados, para um melhor entendimento, mas nesse momento vou me aproximar da negação desse preconceito.


Os padrões sociais são instaurados através de diversas instituições, como escola, família, religião, mídias, etc. Isso atravessa nosso entendimento em relação a qualquer tópico, seja gênero (o que é ser homem e mulher ou mesmo ter que se encaixar em um desses padrões), sexualidade (com quem e como devemos nos relacionar), moral (certo e errado), e várias outros. Por sua vez, cada uma dessas se relaciona entre si. Em nossa sociedade podemos verificar vários exemplos dessa naturalização dos padrões, como monogamia e heteronormatividade. Essa naturalização instaura os conceitos de normal e anormal. Através desses conceitos, orientamos nossas atitudes para nos adaptar e estarmos dentro dessa normalidade. Tudo o que é anormal é marginalizado.

Mas existe um processo contínuo de mudança entre o que é instituído e as novas formas instituintes. Isso significa que esses modelos sofrem alterações, não é algo estagnado. Porém, nesse processo nem tudo que era instituído deixa de existir. Simplificando com um exemplo: há algum tempo a população negra era escravizada, e a ordem social considerava-os inferiores, incapazes, não-humanos. Bem, essa concepção hoje mudou, pero no mucho. Veja a frase: ele é negro, mas é uma boa pessoa. O mas que une as duas orações indica que uma é o contraponto da outra. A primeira diz que uma pessoa é negra, e a segunda diz que esse sujeito é uma boa pessoa, ou seja, tem bom caráter. O mas entre as duas indica que mesmo sendo negro ele é uma boa pessoa. Podemos supor então que negro é sinônimo de mau-caráter. Esse negro em questão foge a regra. Como outra expressão infeliz diria: é um negro de alma branca. O natural seria que ele fosse uma má pessoa. O mas indica que ele está indo contra ao normal dos negros.

            Esse exemplo traz a tona o que hoje há de mais delicado em nossa cultura: a questão racial. Nós, brasileiros, continuamos negando o preconceito que temos devido a uma dívida histórica e cultural com a população negra, ao invés de admitirmos que nossa cultura ainda é impregnada de elementos racistas. Essa dívida se coloca não apenas pela escravidão, que é um fato marcante em nossa história, pois a todo o momento o racismo é criado e recriado. Não existe mais a vinculação à escravização, mas os desdobramentos de uma falta de política social na inclusão da população negra e da desvalorização da cultura afro ainda perpetuam o racismo como forma de entender nossa sociedade. Não somos racistas por natureza, somos construídos dessa forma. Enquanto negarmos esse fato, perpetuaremos o racismo sob diversas formas.

            Recentemente um ator global declarou que prefere ser chamado de pegador do que viado. Muitas pessoas reclamaram dessa declaração, e o mesmo informou que não era preconceituoso, inclusive muitos amigos e pessoas de sua equipe eram homossexuais. Ou seja, ele não tem preconceito, ATÉ aceita que gays estejam próximos a ele. Já dizia Falcão: ele é viado mas é meu amigo.

            Além das já citadas, diversas falas demonstram como nós aceitamos esses padrões e ajudamos a marginalizar parcelas sociais que não de adéquam. Ser gay é ser promíscuo e/ou cômico, ser negro é ser bandido, ser mulher é ser frágil, ser travesti é ser prostituta, ser gorda é ser feia.

            A padronização pretende uniformizar pessoas, e esse fenômeno ocorre até mesmo em movimentos sociais. Pretende-se vender a imagem do gay hetero, limpinho. Ou seja, é a famosa frase: nós gays somos iguais aos héteros. A questão é: os héteros são iguais aos héteros? Com essa história de igualdade estão querendo padronizar nosso comportamento. Seja gay, mas seja igual ao hétero. Seja negro, mas seja igual ao branco. Temos direito a uma igualdade perante a lei, mas jamais poderemos aceitar sermos iguais como uma massa uniforme. Porque jamais seremos.

Por Daniel Vieira

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